Eu tirei um senso diferente de "Becoming The New Barbarians", que não diz respeito a se mudar pro mato nem nada disso. Donovan mesmo não o faz por completo, continua no mundo.
Isso de "se remover do sistema" por birrinha, ele já meio que desmonta no artigo "Boycott is a bourgeois form of protest", onde explica o óbvio: que "boicotar" o sistema é apenas vaidade simbólica: o "sistema" está cagando pra você, e é burrice não se aproveitar das vantagens que ele pode oferecer naquilo que fortalece teu modo de vida.
Comecemos por "bárbaro": a palavra evoca o ermitão e o bando de vadios encrenqueiros. Para alguns também significa "pagão, incivilizado, fedorento e desordenado". Alguém concebe Donovan propondo isso? Francamente, eu não.
No artigo ele começa discutindo como muito provavelmente, o mundo não vai ruir de uma vez só. Em nossas vidas, o sistema liberal democrático pode muito bem funcionar mal por anos até cair de vez. Talvez sequer vejamos isso. O que ele discute no entanto é que não é necessário esperar essa queda.
Ao descrever Bárbaros como quem vive "fora do sistema", ele o faz no que diz respeito a valores, e não a sua localização física - visto que, discute mais adiante, a formação de "bairros" ou até "condomínios" e isso significa, claramente: vizinho e até mesmo "dentro" do sistema, fisicamente, e obviamente significa em comércio com este (o que era comum para bárbaros aliás).
Voltando ao texto sobre boicote: neste Donovan está apenas explicando que é estupidez acreditar que você deve, por vaidade ideológica, rejeitar a facilidade com que o sistema produz bens de consumo acessíveis. Bens esses que podem ser necessários. E muitos os quais você não vai poder replicar.
Se tornar os novos bárbaros a meu ver é simplesmente se tornar mais insular possível nas suas relações, e na sua interdependência. Tribos partilham um ethos, um conjunto de valores, etc. Seria como a ESA decidir que seus membros comparariam propriedades próximas em uma cidade qualquer ou no interior; cultivasse um ethos e propósitos comuns (um destino comum); passasse a trabalhar em torno dessa finalidade (seja dentro da tribo, seja em comércio, mesmo que troca assalariada de parte do seu tempo com o "mundo de fora"); viabilizar e perpetuar esse modo de vida.
Isso tudo parece muito estranho pra nós no Brasil. Para os americanos é menos. Outro dia mesmo uma "tribo" deles (de fazendeiros anti governo) tomou uma estação de uma reserva para assegurar seu direito de levar o gado para pastar no mesmo, e o defendeu na bala. Também existem lá muitas milícias, o que apesar de combatido é um direito constitucional.
No entanto existem comunidades em moldes parecidos, embora não tão belicosos, no Planalto Central. Um exemplo é o pessoal do IPEC (instituto de permacultura) que trabalha dentro deste, e para fora. Cada tribo seus propósitos, e o deles é meio que um kibutz para elfos urbanos, mas essencialmente, o funcionamento é o mesmo.
É evidente que um "bando de bárbaros" viveria cercado, o Estado é cada vez mais onipresente, com o Estado Policial, o alcance da burocracia e suas regulações, etc. Seria idílico pensar que poderia-se ter algo completamente subsistente e sem prestar satisfações "aos romanos". Donovan provavelmente aconselharia ser tão sábio quanto necessário for - manter os impostos em dia e não ocultar cadáveres. Ao menos enquanto o sistema é forte o bastante para lhe esmagar. Mas ele pode não ser para sempre. Ele pode cair, em uma, duas ou dez gerações. Não faz diferença porque o propósito da tribo é ela própria, e não parecer bonitão nos telejornais.